sexta-feira, 27 de setembro de 2013

SobreNaturezas

Romaria das Águas e os Caminhos de Sepé Tiaraju


Eu, Stella Pieve, pesquiso as relações entre ecologia e religião em dois rituais que acontecem no Rio Grande do Sul, a Romaria das Águas e os Caminhos de Sepé Tiaraju. A Romaria das Águas é um movimento que se define ecológico, inter-religioso e social. O evento começa na Ilha Grande dos Marinheiros, bairro Arquipélago da capital, perpassa outras Ilhas, cidades da Região Metropolitana, cidades do interior e termina na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, no dia 12 de outubro. Entre suas ações principais estão a peregrinação de Nossa Senhora das Águas entre Casas de Umbanda, Capelas e Igrejas, Galpões de Reciclagem, departamentos municipais e espaços públicos, e o “rito das águas”, um ritual de coletar águas de nascentes, arroios e rios que compõem a Bacia Hidrográfica do Guaíba para serem misturadas, abençoadas e adicionadas ao Lago Guaíba no dia 12.
Participam da romaria católicos, umbandistas, moradores das Ilhas, devotos de Nossas Senhoras, vereadores, lideranças sindicais e integrantes de movimentos sociais. As celebrações religiosas são ministradas em conjunto por Padres, Irmãos, Freis, Pais e Mães de Santo de modo a enfatizar que ali, todas as religiões estão unidas por um bem maior que é a água e o cuidado com o planeta Terra. Neste ano de 2013 acontecerá a 20ª edição do evento.
Já os “Caminhos de Sepé Tiaraju”, é uma peregrinação ciclística em homenagem aos Guaranis e Sepé Tiaraju que acontece entre os dias 1 e 7 de fevereiro. Sepé Tiaraju morreu em 7 de fevereiro de 1756. A proposta é trilhar de bicicleta o caminho que esse guerreiro fez ao fugir da prisão, na atual cidade de Rio Pardo, até o Caiboaté, em São Gabriel, para lutar na Guerra Guaranítica. A Guerra Guaranítica aconteceu entre 1750 e 1756, quando o povo Guarani dos Sete Povos das Missões foi obrigado a deixar suas terras devido ao Tratado de Madri, firmado entre Portugal e Espanha. Durante estes 6 anos, uma série de combates aconteceram entre os Guaranis, apoiados por padres Jesuítas e o exército Luso-Hispânico. O último desses combates é conhecido como a Batalha do Caiboaté, no qual, aproximadamente, 1500 Guaranis foram assassinados. Atualmente Sepé Tiaraju também é reconhecido como São Sepé Tiaraju, um santo canonizado pelo povo e que empodera movimentos de luta pela terra.
O objetivo da “bicicletada” é levar jovens das periferias urbanas para conhecerem a história de Sepé, a realidade rural e divulgar e motivar o uso da bicicleta, um meio de transporte não poluente. Assim, durante o percurso visita-se quilombos, prefeituras, afro-religiosos, câmaras municipais e agricultores familiares e indígenas no intuito de promover uma troca de experiências sobre o modo de vida, práticas e saberes desses grupos. De acordo com os realizadores do evento, a proposta é promover um encontro entre os excluídos da cidade e do campo. O final do evento coincide com o encontro dos Guaranis em São Gabriel. Neste evento, os Guaranis passam entre 2 e 3 dias discutindo as políticas públicas a eles destinadas e findam esta discussão com rituais de homenagem aos seus antepassados e a Sepé Tiaraju. Em fevereiro 2013 aconteceu a 10ª edição do evento.
Ambos eventos têm parte de sua organização feita pela Organização Não Governamental Caminho das Águas e membros da Pastoral da Ecologia, grupos nos quais atuam meus principais interlocutores. Para cada um dos rituais acima citados são estabelecidas parcerias com outros grupos de modo a promoverem os referidos eventos. No caso da Romaria das Águas podemos citar a Federação Afro-Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (FAUERS), Associação de Moradores e Clube de Mães da Ilha Grande dos Marinheiros, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Moradores da Ilha da Pintada, dentre outros. Já os parceiros dos Caminhos de Sepé Tiaraju são Cidade Mais Humana, Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), Comissão Pastoral da Terra e Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Desde 2010 eu venho acompanhando reuniões, romarias e pedaladas e entrevistando organizadores e participantes de ambos eventos. Meu objetivo é entender quais as possíveis relações estabelecidas entre estes movimentos e ecologia e o que estes rituais procuram mostrar sobre essa relação a partir de suas performances. E a partir daí, mapear quais as cosmologias que os orientam e a cosmopolítica existente em torno dos artefatos e discursos que unificam os diferentes grupos ao redor de questões ambientais, sociais e religiosas.
Stella Pieve
Pós-Graduação em Antropologia Social/UFRGS

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