Há anos Irmão Antonio Cechin, a ONG Devoção Nossa Senhora Aparecida e moradores das ilhas do Guaíba, vêm chamando a atenção para a poluição, contaminação e destruição das nascentes e dos mananciais que formam a bacia hidrográfica do Lago, da qual nosso município é integrante.
O vereador Nelsinho fez merecida homenagem ao articulador deste movimento que num crescente e compassado ritmo vem desenvolvendo um trabalho de reflexão sobre as águas e nossa ação ambiental e social a partir das problemáticas que os ilhéus enfrentam.
Na ocasião o Presidente da Fauers - Everton Alfonsin e a Professora Maria Inês Pacheco, do Projeto do Rio Guri, entregaram um projeto ao Vereador Nelsinho e ao Secretário de Meio Ambiente, Sr. Celso Barônio, propondo que o Movimento Romaria das águas passe a fazer parte do calendário da cidade.
Segue abaixo suas considerações.
ROMARIA DAS ÁGUAS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO GUAÍBA
NÚCLEO CANOAS/RS BRASIL
1. Contexto
O movimento ecológico, espiritual, educativo, sócio-cultural Romaria das Águas, há 15 anos, vem buscando resgatar o sentido sagrado deste bem comum, sensibilizando a população para a importância da preservação dos recursos hídricos. A partir da organização nas comunidades, cujas nascentes dos rios abastecem o lago Guaíba em Porto Alegre, vem envolvendo a população numa ação crescente, procurando conscientizar para uma relação de respeito e cuidado para com os rios, arroios, nascentes e toda a biodiversidade envolvida. Guaíba, em tupi-guarani, significa o “encontro das águas”. A dinâmica do movimento consiste em coletar águas nas nascentes que seguirão em romaria até a capital quando, no dia 12 de outubro, se encontrarão nas margens do Guaíba. Este movimento nasceu na Ilha Grande dos Marinheiros quando, não tendo água para beber, dependendo de carros-pipa, e através da liderança do Irmão Antonio Cechin, iniciam a reciclagem do lixo trazido pelas águas. A partir de um mutirão as mulheres passam a vender os produtos para garantir a sobrevivência de suas famílias. Viu-se que, das toneladas de lixo que as águas carregavam, principalmente durante as enchentes costumeiras, os ilhéus poderiam retirar seu sustento e, ao mesmo tempo, contribuir para a despoluição. Durante a separação dos materiais foi encontrada em uma sacola plástica uma imagem quebrada de Nossa Senhora Aparecida. A exemplo do que acontecera em 1717, em São Paulo, com os pescadores que acharam a imagem que se transformou na Nossa Senhora Aparecida Padroeira do Brasil, esta imagem, também, foi restaurada e devolvida ao culto sobre o altar. Aparecida, agora no lixo, a Mãe do Céu, do Brasil e das Águas, dá o sinal do resgate da dignidade, de respeito à natureza, de exercício da cidadania e busca da qualidade de vida para todos. Assim, em 13/05/1994, é fundada a ONG Devoção de Nossa Senhora Aparecida. Foi criada a imagem símbolo que está no Santuário na ilha Grande dos Marinheiros, obra do escultor Conrado Moser a partir do desenho do Arquiteto Fabiano. Desde então, todos os dias 12 de outubro, ela segue, pelas águas do Lago Guaíba, até Porto Alegre, reunindo toda a população cuja prática popular, aliada ao meio ambiente, resulta em educação ambiental através do testemunho de vida.
Ao longo destes anos a Romaria vem crescendo em ações de defesa de todos os mananciais que, chegando pelo Delta do Jacuí, vem formar o Lago Guaíba. Amostras de águas retiradas das nascentes de rios e arroios seguem em procissão pelas cidades rumo ao lago, movimentando a população no conhecimento e conscientização quanto a quantidade e qualidade de água disponível. O evento culmina em 12 de outubro, na praia do Gasômetro, no dia de Nossa Senhora Aparecida, num ato macro-ecumênico, com o Rito das Águas. Nesta data as águas coletadas nas nascentes são misturadas, abençoadas e entregues ao lago como símbolo de esperança e fé no resultado das ações de integração e cooperação em prol a natureza.
De uma forma ou de outra a comunidade de Canoas veio participando deste evento. Porém, no ano de 2008 intensificou a ação com a participação integrada de vários segmentos da cidade. Reuniões de organização ocorreram na cidade, entidades canoenses participaram na criação da primeira cartilha da Romaria. Também, pela primeira vez a cidade participou com as águas de uma de suas nascentes, do Arroio Araçá, que, reunidas com as águas das nascentes dos rios que banham a cidade - Sinos e Gravataí, percorreram em Romaria, chamando a população para a reflexão e conscientização, até serem entregues ao Guaíba no dia 12 de outubro. Também, pela primeira vez, Canoas recebeu a imagem de Nossa Senhora das Águas, que, até então, havia saído em Romaria das ilhas somente para ir até a praia do Gasômetro. Ficou uma semana em vigília sendo visitada por centenas de pessoas. Assim como as águas vêm descendo em direção ao lago, a imagem começou a subir em direção as nascentes. Neste ano a cidade recebeu a réplica da imagem de Nossa Senhora das Águas das mãos do Irmão Cechim.
Em 2009, novamente a comunidade canoense se integrou ao movimento com grande participação fazendo a coleta das águas, agora em duas nascentes do arroio Araçá: na fazenda Guajuviras e na Fonte Dona Josefina. Por sua vez a imagem de Nossa Senhora ficou em vigília nos quatro quadrantes da cidade, ampliando o espaço de devoção e reflexão.
2. Justificativa
A água, fonte da vida, não é inesgotável. O astronauta Yuri Gagarin, em 1961 exclamou: "A Terra é azul!". A quantidade de água no planeta em relação aos espaços secos é muito maior, tanto que, muitas vezes, chamamos metaforicamente de Planeta Água. Ela recobre ¾ do planeta, porém, do total desta água, cerca de 97%, é salgada e distribuída pelos oceanos e mares. Os 3% das águas restantes estão disponibilizadas nas formas de geleiras (2,4%), rios, lagos, pântanos, vertendo pela atmosfera ou das camadas subterrâneas do planeta (0,6%). Sua origem sempre foi a mesma, e vai continuar sendo durante séculos. O que vem mudando, e tem se agravado num ritmo assustador, é a forma dos seres humanos se relacionarem com a natureza, influenciando, por sua vez, no ritmo em que a água se repõe e na sua disponibilidade para o uso e necessidade dos seres vivos: as chuvas estão escassas, os aqüíferos mais baixos; os rios mais poluídos, as nascentes estão sumindo.
O Brasil é um país privilegiado neste ínfimo percentual de 0,6% das águas doces do mundo. Conta com cerca de 1/8 do total (12%). Na distribuição dos recursos hídricos brasileiros 68% está na região norte, 16% na região centro-oeste, 6% no sudeste, 3% no nordeste e 7% na nossa região. O território do RS é formado por três grandes bacias hidrográficas: a Bacia do Uruguai que abrange cerca de 57% da área total do Estado; a bacia do Guaíba com 30% do total e a Bacia Litorânea com 13% do total.
Cada vez mais se torna necessário pensar o problema da água globalmente e agir, urgentemente, localmente. O acesso à água vai se afunilando até chegar a nós. Isso tudo mostra que a imagem de Planeta Água no que tange a abundância para uso e abuso é ilusória. É crescente hoje, em nível mundial, o fenômeno de escassez dos recursos hídricos, fato que também vem ocorrendo no Rio Grande do Sul, onde em determinadas regiões a situação já é alarmante. A bacia do Guaíba, de maior concentração urbana onde vivem dois terços da população gaúcha, é a mais poluída. Tal condição está a exigir uma gestão eficiente da oferta de água e o cuidado para a manutenção da qualidade do seu meio natural, com o apoio das populações. Porém, no atual contexto temos, por um lado, a realidade de uma população que está cada vez mais envolvida com as novas tecnologias e com cenários urbanos artificiais perdendo, desta maneira, a relação natural com a terra e suas culturas. A produção de resíduos é constante. Por outro lado, está a população em vulnerabilidade, e a ribeirinha, que tem uma relação direta com a natureza, sobrevivendo dela através de trabalhos informais dos mais diversos, inclusive captando os resíduos produzidos, para sustento da família. Percebem-se muitas iniciativas ecológicas, mas dissociadas e distribuídas em ações isoladas. Verificam-se muita energia e recursos financeiros sendo dispensados na correção e atendimento das problemáticas, mas, ainda, muito pouco na educação e prevenção ambiental. Dentro de tantos projetos, planos e propostas a Romaria das Águas almeja, num trabalho mais elaborado sobre a situação ecológica local, reunir iniciativas de forma que, cada comunidade possa, participando e contribuindo com a gestão pública do seu meio ambiente, sentir-se responsável pelo processo e sujeito nos resultados.
No que tange a situação local, Canoas é um receptáculo de foz, aqui finalizam três rios da bacia do Guaíba: Jacuí, Sinos e Gravataí, carregando toda a carga de poluição que recebem, destacando-se os rios Gravataí e Sinos, que têm sido notícia freqüente nos últimos tempos em função das problemáticas de poluição e contaminação. Tendo uma importante participação no ecossistema da região, os rios que circundam Canoas recebem a contribuição das águas dos arroios Sapucaia e Brigadeira, que fazem divisas com os municípios vizinhos. Ainda há o arroio Araçá que é totalmente canoense, nasce na Fazenda Guajuviras e atravessa a cidade, desembocando no Arroio das Garças. Com o crescimento e a modernização da cidade o esgoto foi sendo jogado dentro destes mananciais, como uma solução paliativa. E o lixo, outro grande problema ambiental atual, segue o mesmo caminho. Eles, que são as artérias produtoras de águas que contribuem para a formação dos rios, têm ficado em último plano de atenção, pois o impacto dos resultados da poluição e da contaminação tem se mostrado a partir de onde desembocam.
Por fim, em virtude de todo este contexto, é nosso dever garantir a preservação de toda e qualquer nascente, manancial e bacia hidrográfica, desenvolvendo ações coletivas para concretizar propostas em defesa da água. Assim, justificamos a necessária participação da comunidade canoense neste movimento, solicitando a inclusão da Romaria das Águas no calendário de eventos da cidade.
3. Objetivos
· Geral: Reverter a situação de poluição e a contaminação das águas e nascentes através do monitoramento participativo dos rios e arroios que formam o lago Guaíba, a partir da fé e da ação conjunta, na partilha de culturas e realidades diferentes.
· Específicos:
1. No Campo Social:
- Formar uma rede através das lideranças agregando ações ecológicas voltadas para a preservação local;
- Envolver as ações populares dos agentes ecológicos no movimento pelas águas;
- Fortalecer as iniciativas que cuidam do ambiente de forma sustentável multiplicando ações.
2. No Campo Cultural:
- Divulgar as várias formas de manifestação artística cujo tema sejam as águas e as demais questões que envolvem o Meio Ambiente;
- Conhecer a dimensão cultural do valor da água para as comunidades, quilombolas e indígenas, por exemplo, que possuem muitas palavras para designar seus vários aspectos;
- Divulgar a história de Nossa Senhora Aparecida, padroeira oficial do Brasil, e seu valor na cultura nacional, relacionando com a Senhora das Águas, a Rainha da Ecologia, com grande valor em nossa cultura e história macro-ecumênica local.
3. No Campo Religioso:
- Reunir tradições cristãs, afro-brasileiras, indígenas e outras, em cuja relação com a água e com a natureza estabelecem forte simbolismo religioso;
- Articular, num diálogo inter-religioso, o conhecimento das múltiplas experiências e significados da água no universo simbólico de cada crença e suas contribuições para a defesa das obras do Divino;
- Contar com a contribuição religiosa para a sociedade no que tange as tradições orais e ritualísticas que sejam inspiradoras e educadoras em sua comunidade, e que ajudam a perceber que fazemos parte de uma comunidade planetária.
4. No Campo Ecológico:
- Defender os mananciais e apoiar medidas que garantam a água como patrimônio natural e um bem público, protegida por políticas públicas que visem a conservação dos recursos naturais, aplicando com ética a legislação vigente;
- Alertar sobre os impactos da degradação ambiental, disponibilizando as informações e os conhecimentos reunidos, buscando incentivar o aprendizado e a cooperação entre todos os envolvidos, ampliando a sensibilidade e o cuidado com a natureza;
- Ampliar e qualificar os instrumentos de fiscalização, contribuindo, assim, na conservação dos recursos hídricos da Bacia do Guaíba, agindo localmente na defesa do meio ambiente, engajados na luta por todo o contexto de melhorias para sua despoluição.
5. No Campo Educativo:
- Estimular instituições e comunidades escolares para a inclusão de suas atividades junto ao calendário da Romaria;
- Movimentar a reflexão e o conhecimento da realidade das bacias hidrográficas, a partir da situação local, promovendo ações que contribuam com sua preservação, culminando na participação do encontro em 12 de outubro;
- Catalogar, com apoio do poder público local, todas as nascentes reunindo materiais didáticos para distribuição, divulgação, troca, reflexão e conhecimento do movimento em todas as regiões que envolvem as bacias;
- Contribuir para a educação ambiental através de apoio aos processos pedagógicos formais e informais, de forma participativa e permanente, procurando desenvolver a consciência crítica sobre as questões ambientais, especialmente da região de Canoas, do Guaíba e do Parque Delta do Jacuí.
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